"Algo em nós foi destruído pelo espetáculo dos anos que acabamos de viver. E esse algo foi aquela eterna confiança do homem que uma vez acreditou poder obter sempre reações humanas de outro homem falando com ele através da linguagem da humanidade. Vimos mentir, envilecer, matar, deportar, torturar e de cada vez que tal sucedia era impossível persuadir os que o faziam de fazê-lo, uma vez que estavam seguros de si mesmos e porque não é possível persuadir uma abstração, que é a essência da ideologia.
O grande diálogo dos homens com eles próprios acaba de cortar-se. E, naturalmente, um homem que não se pode persuadir é um homem que dá medo. Desta maneira, ao lado dos que não falavam porque o julgavam inútil, estendeu-se e continua a estender-se uma imensa conspiração do silêncio, aceite pelos que tremem e encontram sempre razões para ocultarem de si próprios que tremem. "Não deveis falar da perseguição dos artistas na Rússia, porque tal é fazer o jogo da reação". "Não deveis dizer que Franco se mantém no Poder graças à ajuda dos ingleses, porque é fazer o jogo do comunismo". Bem dizia eu que o medo é uma técnica.
Entre o medo generalizado de uma guerra que todo o mundo prepara e o medo particular das ideologias homicidas, torna-se inevitável que vivamos no terror. Vivemos no terror porque já não é possível a persuasão, porque o homem foi entregue por completo à história e não pode voltar-se já para essa parte de si mesmo, tão verdadeira quanto a parte histórica, que reencontra ante a beleza do mundo e dos rostos; porque vivemos no mundo da abstração, das ideias absolutas e de um messianismo inflexível. Asfixia-nos essa gente que acredita ter a razão absoluta, seja através das suas máquinas, seja por intermédio das suas ideias. E para todos aqueles que não podem viver sem o diálogo e a amizade dos homens, este silêncio é o fim do mundo".
Albert Camus, fragmento de Nem vítimas, nem verdugos, em Actuelles I – Écrits Politiques (Chroniques – 1944-1948).
O grande diálogo dos homens com eles próprios acaba de cortar-se. E, naturalmente, um homem que não se pode persuadir é um homem que dá medo. Desta maneira, ao lado dos que não falavam porque o julgavam inútil, estendeu-se e continua a estender-se uma imensa conspiração do silêncio, aceite pelos que tremem e encontram sempre razões para ocultarem de si próprios que tremem. "Não deveis falar da perseguição dos artistas na Rússia, porque tal é fazer o jogo da reação". "Não deveis dizer que Franco se mantém no Poder graças à ajuda dos ingleses, porque é fazer o jogo do comunismo". Bem dizia eu que o medo é uma técnica.
Entre o medo generalizado de uma guerra que todo o mundo prepara e o medo particular das ideologias homicidas, torna-se inevitável que vivamos no terror. Vivemos no terror porque já não é possível a persuasão, porque o homem foi entregue por completo à história e não pode voltar-se já para essa parte de si mesmo, tão verdadeira quanto a parte histórica, que reencontra ante a beleza do mundo e dos rostos; porque vivemos no mundo da abstração, das ideias absolutas e de um messianismo inflexível. Asfixia-nos essa gente que acredita ter a razão absoluta, seja através das suas máquinas, seja por intermédio das suas ideias. E para todos aqueles que não podem viver sem o diálogo e a amizade dos homens, este silêncio é o fim do mundo".
Albert Camus, fragmento de Nem vítimas, nem verdugos, em Actuelles I – Écrits Politiques (Chroniques – 1944-1948).
Comentários
Uma passagem tão distante, mas bem apropriada para o momento, Cleyce Moreira... mas quanto a nós, os que se recusam a "viver sem o diálogo e a amizade dos homens", como resistir ao silêncio que finda o mundo?...
Não há como resistir, se nos aprofundarmos e consentirmos com alguns excertos do pensamento de Camus. Este texto magistral, as inquietações e dúvidas suscitadas, podem ser compreendidos pela complementação niilista do próprio Camus: "O absurdo nasce da confrontação do apelo humano com o silêncio despropositado do mundo"